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Scientific Society Journal  ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​​​ 

ISSN: 2595-8402

Journal DOI: 10.61411/rsc31879

REVISTA SOCIEDADE CIENTÍFICA, VOLUME 7, NÚMERO 1, ANO 2024
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ARTIGO ORIGINAL

Consequências cardiovasculares e neuropsiquiátricas da exposição à poluição sonora

Jennifer Almeida de Oliveira1; Rubens Rezende Ferreira2; Ricardo Cambraia Parreira3; Daniel Mendes Filho4

 

Como Citar:

DE OLIVEIRA, Jennifer Almeida; FERREIRA, Rubens Rezende;PARREIRA,Ricardo Cambraia et al. Consequências cardiovasculares e neuropsiquiátricas da exposição a poluição sonora. Revista Sociedade Científica, vol.7, n. 1, p.2204-2218, 2024.

https://doi.org/10.61411/rsc202446217

 

DOI: 10.61411/rsc202446217

 

Área do conhecimento: Ciências da Saúde

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Sub-área: Medicina.

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Palavras-chaves: Contaminação Sonora; Efeitos do Ruído; Poluição Acústica; Sistema Cardiovascular; Sistema Neural.

 

Publicado: 06 de abril de 2024

Resumo

Atualmente a poluição sonora tem atingido proporções enormes devido ao crescimento populacional e consequente multiplicação das fontes de ruído. Essa problemática se manifesta de forma evidente nas residências, nas vias públicas, nos veículos, nos locais de trabalho, nos espaços teatrais e nos estabelecimentos gastronômicos. Além dos ruídos audíveis, existem também sons em frequências inaudíveis que podem ser igualmente prejudiciais à saúde, o que torna imperativo investigar essas interferências e como elas resultam em alterações que impactam a saúde do indivíduo. Assim, para compreender os efeitos da poluição sonora e como essa interfere no organismo provocando o surgimento de distúrbios neuropsiquiátricos e cardíacos, propôs-se a elaboração de umarevisão ​​ narrativa. Para o desenvolvimento desse artigo, utilizo-se a base de dados da plataforma PubMED com os descritores que foram selecionados a partir de uma pesquisa no DeCS/MeSH: “poluição sonora”, “poluição sonora e sistema cardiovascular” e “poluição sonora e sistema nervoso”. Por meio da pesquisa realizada, observou-se que a poluição sonora, direta ou indiretamente, afeta a saúde humana. Embora o impacto direto no sistema auditivo, como surdez, seja bem estudado, a influência nos sistemas cardiovascular e neurológico necessita de mais consideração e pesquisa. Apesar dessa dificuldade de dados na literatura, ​​ foi possível identificar problemas que podem surgir devido à poluição sonora, como: aumento da pressão arterial, AVC, doenças mentais, demência e distúrbios no desenvolvimento neurológico. Assim sendo,, a partir de uma discussão abrangente sobre essa pesquisa, é possível traçar medidas de contenção ao ruído excessivo, pois as medidas de saúde coletiva vigentes tendem a negligenciar os riscos relacionados aos ruídos ambientais.

 

 

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Cardiovascular and neuropsychiatric consequences of exposure to noise pollution

Abstract: Currently, noise pollution has reached enormous proportions due to population growth and the consequent multiplication of noise sources. This problem manifests itself clearly in homes, on public roads, in vehicles, in workplaces, in theaters and in gastronomic establishments. In addition to audible noises, there are also sounds at inaudible frequencies that can be equally harmful to health, which makes it imperative to investigate these interferences and how they result in changes that impact an individual's health. Thus, to understand the effects of noise pollution and how it interferes with the body, causing the emergence of neuropsychiatric and cardiac disorders, it was proposed to prepare a narrative review. To develop this article, the PubMED platform database was used with the descriptors that were selected from a searcin DeCS/MeSH: “noise pollution”, “noise pollution and cardiovascular system” and “noise pollution and nervous system". Through the research carried out, it was observed that noise pollution, directly or indirectly, affects human health. Although the direct impact on the auditory system, such as deafness, is well studied, the influence on the cardiovascular and neurological systems needs more consideration and research. Despite this data difficulty in the literature, it was possible to identify problems that may arise due to noise pollution, such as : increased blood pressure, stroke, mental illness, dementia and neurological development disorders. Therefore, based on a comprehensive discussion of this research, it is possible to outline measures to contain excessive noise, as current public health measures tend to neglect the risks related to environmental noise.

Keywords: Acoustic Pollution; Cardiovascular system; Effects of Noise; Neural System; Noise Contamination.

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1. Introdução

No século VIII a.C, o meio de transporte utilizado era a carruagem.. Devido ao contato das rodas de madeira com as pedras do calçamento, esses veículos geravam ruídos que atrapalhavam o sono. Portanto, tais meios de transporte tiveram sua circulação proibida durante o período noturno para que não gerassem incômodo ao sono dos moradores. Apesar de a poluição sonora (PS) parecer uma questão advinda com a evolução das tecnologias e questões ocupacionais, nota-se que sua origem é tão antiga quanto a criação das sociedades [1].

Atualmente, a poluição sonora tem tomado proporções gigantescas, por causa do crescimento populacional e do aumento das fontes de ruídos nas casas, ruas, carros, trabalhos, teatros, restaurantes, etc. Além da forma explícita de ruídos, existem os sons em frequências inaudíveis que podem ser tão nocivos quanto os sons audíveis [2].

Devido à extrema importância desse tema, a OMS (Organização Mundial de Saúde) documentou sete categorias de efeitos adversos à saúde dos humanos devido a poluição sonora em humanos. Esses efeitos são: deficiência auditiva, interferência na comunicação falada, distúrbios do sono, distúrbios cardiovasculares e distúrbios na saúde mental. A deficiência auditiva é causada principalmente pela exposição aos ruídos ocupacionais, embora seja necessário que se considere os ruídos recreativos. [3].

​​ Estudos sugerem que as crianças são mais susceptíveis a deficiência auditiva produzida por ruídos do que os adultos. É importante ressaltar que existe um consenso geral de que a exposição a níveis sonoros inferiores a 70 DB não produz danos auditivos, independentemente da duração da exposição. Já a exposição por mais de 8 horas a níveis sonoros superiores a 85 dB é potencialmente perigosa. Esse nível de ruído é aproximadamente equivalente ao ruído do tráfego de caminhões pesados em uma estrada movimentada [4].

​​ A PS também interfere na capacidade de compreensão da fala, devido às interferências dos ruídos. Essa dificuldade de compreensão da fala pode gerar problemas de concentração, fadiga, incerteza, falta de autoconfiança, irritação, mal-entendidos, diminuição da capacidade de trabalho, relacionamentos interpessoais perturbados e reações de estresse. E tudo isso causa prejuízos distintos que variam ​​ desde um desempenho acadêmico ruim até aumento no risco de acidentes [5].

Já os distúrbios do sono causados por esse tipo de poluição incluem dificuldade em adormecer, despertar frequente e redução do sono REM (rapid eye moviment, movimento rápido do olho). Além dessas repercussões, durante o sono a PS pode contribuir para um aumento da pressão arterial e da frequência cardíaca, vasoconstrição, alterações na respiração e ainda aumento dos movimentos corporais [6].

Os distúrbios cardiovasculares são devidos ao ruído atuar como um estressor biológico inespecífico, resultando em ativação do corpo para o sistema de resposta de “luta ou fuga” (aumento do tônus da divisão simpática do sistema nervoso autônomo e da produção de adrenalina pelas glândulas suprarrenais). Essas alterações, quando ocorrem de forma crônica e sustentada, afetam a saúde mental acelerando e intensificando o desenvolvimento de transtornos mentais latentes, além de transtornos de ansiedade, estresse, nervosismo, náusea, dor de cabeça, instabilidade emocional, impotência sexual, alterações de humor, aumento de conflitos sociais, neurose, histeria e psicose [7].

Apesar de todo o exposto, existe uma lenta conscientização por parte dos profissionais de saúde e da sociedade em geral, os quais ainda não reconhecem a PS como um robusto agente causador de doenças. Por conseguinte, a despeito das crescentes evidências que comprovam os efeitos maléficos e estressores da poluição sonora, pouco se tem feito a nível de políticas públicas para mitigar o que é claramente uma importante questão de saúde coletiva.

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2.Metodologia

2.1.Tipo de estudo

O levantamento bibliográfico para esta revisão narrativa foi ​​ realizado nos meses de julho, agosto, setembro e outubro de 2023 por meio da busca na base de dados da plataforma PubMed. Os descritores “poluição sonora”, “doenças cardiovasculares” e “doenças neurológicas” determinados a partir de pesquisa no DeCS/MeSH, foram utilizados em língua inglesa, noise pollution, cardiovascular system, nervous system and consequences of noise pollution, considerando possíveis variações dos termos devido às similaridades de significado, tornando a busca ainda mais abrangente. Eles foram combinados com operadores Booleanos OR e AND de acordo com seu sentido. A busca foi realizada no título, no resumo e nas palavras-chave das publicações.

As palavras-chave utilizadas foram: Contaminação sonora. Efeitos do ruído. Poluição acústica. Sistema cardiovascular. Sistema Neural.

Os descritores “poluição sonora”, “doenças cardiovasculares” e “doenças neurológicas” determinados a partir de pesquisa no DeCS/MeSH, foram utilizados em língua inglesa, considerando possíveis variações dos termos devido às similaridades de significado, tornando a busca ainda mais abrangente. Eles foram combinados com operadores Booleanos OR e AND de acordo com seu sentido.

Fez-se uso também das Aspas para indicar a proximidade das palavras em cada expressão. A busca foi realizada no título, no resumo e nas palavras-chave das publicações.

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2.2. Etapas da revisão narrativanarrativada literatura2.2.1. Estabelecimento dos critérios de inclusão e exclusão

Essa revisão teve informações filtradas de acordo com os critérios de inclusão: ser um documento do tipo artigo científico, possuir o texto integral disponível, com mais de quinze citações, um dos primeiros artigos dessa área de conhecimento (“seminal papers”) ou ser um artigo recente. Já os critérios de exclusão foram: trabalhos com mais de 10 anos de publicação, aos efeitos nocivos da poluição sonora sobre a vida animal e ainda foram excluídos da busca inicial capítulos de livros, resumos, textos incompletos, duplicados, teses, dissertações, monografias, relatos técnicos e outras formas de publicação que não artigos científicos completos. Os únicos artigos que tem mais de 10 anos de publicação que não foram excluídos foram artigos sobre o tema com elevado índice de citações (mais de 30 citações).

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2.2.4 Análise e interpretação dos resultados

A análise para seleção dos estudos foi realizada em duas fases: Na primeira, os estudos foram pré-selecionados segundo os critérios de inclusão e exclusão e de acordo com o assunto de interesse. Já na segunda fase, as análises foram feitas quanto ao potencial de participação no estudo, avaliando o atendimento à questão de pesquisa, bem como o tipo de investigação, objetivos, amostra, método, desfechos, resultados e conclusão.

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2.2.3 Identificação dos estudos pré-selecionados e selecionados

Nesta etapa, foram analisadas e sintetizadas as informações dos artigos científicos e ainda criadas categorias analíticas que guiaram a ordenação e a sumarização de cada estudo. Essa categorização foi realizada de forma descritiva, indicando os dados mais relevantes para o estudo.

A pesquisa levou em consideração os aspectos éticos da pesquisa quanto às citações dos estudos, respeitando a autoria das ideias, os conceitos e as definições presentes nos artigos incluídos na revisão.

 

3.Desenvolvimento e discussão

3.1. Alterações Cardiovasculares

As doenças cardiovasculares são a maior causa de enfermidades e óbitos globalmente, abrangendo nações com diferentes níveis de rendimento. Em termos individuais, os elementos de risco para o surgimento de patologias cardiovasculares, como pressão alta, diabetes, distúrbios lipídicos e hábito de fumar, foram extensivamente identificados e quantificados de maneira segura. Por outro lado, o impacto das fontes ambientais de risco para problemas cardiovasculares (para além da alimentação, do tabagismo e da atividade física) tem sido delineado com menos precisão [8].

Apesar de aspessoas geralmente se acostumarem com a exposição ao ruído, a capacidade de se adaptar varia de pessoa para pessoa e raramente é total. Se a exposição ao ruído persistir por um longo período e ultrapassar certos limites, consequências prejudiciais para a saúde podem ser observadas [9].

A exposição ao ruído desencadeia uma gama de reações fisiológicas previsíveis em curto prazo, controladas pelo sistema nervoso autônomo. Dentre essas reações, as principais são aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial, bem como pela vasoconstrição periférica, resultando em um aumento da resistência vascular periférica. Embora haja uma rápida habituação à exposição breve ao ruído, a adaptação em longo prazo é menos determinada [10]. Desse modo, evidências de estudos epidemiológicos demonstram que o ruído ambiental está associado a um aumento da incidência de hipertensão arterial, infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral [2].

A exposição aguda ao ruído, tanto em ambientes laboratoriais onde o ruído do tráfego foi simulado quanto em ambientes da vida real, pode causar aumentos na pressão arterial, frequência cardíaca e débito cardíaco, provavelmente mediado pela liberação de hormônios do estresse, como as catecolaminas. Qualquer tipo de estímulo, percebido como estresse pelo organismo, desencadeia a hiperativação de dois sistemas neuro-hormonais distintos, os quais auxiliam na resposta ao estímulo estressor ou na mitigação de seus efeitos. Estas respostas incluem o aumento do tônus do sistema nervoso simpático (para reações de luta ou fuga) e a liberação de corticosteroides (para respostas de rendição). Estímulos de ruídos particularmente intensos, especialmente quando percebidos como agressivos ou ameaçadores, provocam uma resposta de luta ou fuga, com liberação de adrenalina e noradrenalina pela medula adrenal. Os efeitos desta hiperativação simpática auxiliam o organismo na abordagem ativa do estresse ou na fuga dele [2].

Em suma, os mecanismos moleculares nas doenças cardiovasculares se devem a uma resposta da hiperativação do sistema nervoso simpático pelo estresse, aumentando os níveis de catecolaminas, cortisona e angiotensina II - os níveis cronicamente elevados desses hormônios favorecem a ocorrência de danos vasculares. O aumento das catecolaminas e da endotelina 1 ativam as vias constritivas. Já o aumento dos glicocorticoides contribui para a redução da produção endotelial de óxido nítrico (uma substância vasodilatadora). A angiotensina II é um potente ativador da NADPH oxidase vascular e fagocítica, que pode levar ao estresse oxidativo no sangue e sistema vascular. As espécies reativas de oxigênio, além de eliminar o oxido nítrico, desacoplam a oxido nítrico sintase endotelial, amplificando o estresse vascular. Na regulação gênica, as espécies reativas de oxigênio ativam o sistema endotelina 1, aumentando os níveis de interleucina-6 circulantes. A maior expressão dessas moléculas de adesão vascular aumenta ainda mais a inflamação. Já os neutrófilos, células natural killer e monócitos/macrófagos aumentam a produção de óxido nítrico e superóxido na infiltração vascular, causando efeitos regulatórios adversos nas vias de sinalização celular [11].

Portanto, considerando o ruído como um agente estressor inespecífico, a exposição crônica a níveis baixos de ruído pode induzir distúrbios do sono e da comunicação, resultando em desconforto e desencadeando respostas simpáticas e endócrinas ao estresse, levando ao aumento da pressão arterial, frequência cardíaca, níveis de hormônios do estresse e, especialmente, aumento do estresse oxidativo, implicando em disfunção vascular e representando alterações na exposição interna. O estresse causado por si só gera fatores de risco cardiovascular, como elevação da pressão arterial, funções sanguíneas, glicemia e ativação da coagulação. Sendo assim, a exposição crônica persistente ao ruído contribui significativamente para doenças cardiometabólicas, incluindo hipertensão arterial, doença arterial coronariana, arritmias cardíacas, insuficiência cardíaca, diabetes mellitus tipo 2 e acidente vascular cerebral [12].

É notável que tais mudanças incluem a participação de estruturas corticais, porém a percepção consciente do ruído não parece ser necessária para que seus efeitos na regulação cardiovascular se manifestem. Ao invés disso, acredita-se que a ativação das respostas de luta ou fuga e de “derrota” envolve regiões subcorticais do cérebro, como o hipotálamo, que obtém informações do sistema nervoso autônomo, do sistema endócrino e do sistema límbico. Essas respostas ao estresse, por sua vez, resultaram em alterações em diversas funções fisiológicas e na homeostase de vários órgãos, incluindo pressão arterial, benefício cardíaco, perfil lipídico sanguíneo (colesterol, triglicerídeos, ácidos graxos livres, fosfatídeos), metabolismo de carboidratos (glicose), equilíbrio eletrolítico (magnésio, cálcio), processos de coagulação e dissolução de coágulos sanguíneos, entre outros [12].

Um estudo conduzido no Reino Unidomostrou que a exposição ao ruído do tráfego rodoviário, >65 dB, independente de outros fatores, foi associada a alterações pequenas, mas significativas, na pressão arterial e na bioquímica cardiovascular. O estudo contou com mais de 500 mil indivíduos, com idade entre 40 e 69 anos, que estão expostos diariamente ao ruído do tráfego rodoviário [13]. Além disso, outra pesquisa que reuniu 133 estudos, em 2022, relatou pressão arterial, hipertensão, frequência cardíaca, arritmia cardíaca, resistência vascular e débito cardíaco aumentados em resposta a um limiar de ruído mais alto ou a níveis de ruído cada vez mais altos [11].

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3.2.Consequências Neurológicas e Psiquiátricas

Atualmente, os efeitos do ambiente na saúde mental ainda são uma questão pouco discutida, representando uma omissão surpreendente sobre os impactos psiquiátricos e neurológicos da poluição sonora na ansiedade, depressão, demência e comprometimento cognitivo [14] [15]. A comprovação dessas negligências é a escassa quantidade de estudos de coorte comprovando que a incidência da doença/evento adverso à saúde difere entre um subgrupo de expostos à PS com outro subgrupo não exposto. Ademais, há poucos estudos de metanálise que agregam resultados de estudos independentes sobre esse assunto [8]. Entretanto, existem várias evidências de que existem efeitos prejudiciais neuropsiquiátricos relacionados ao excesso de ruído e que, por sua relevância devem ser melhores investigadas [16].

A exposição crônica ao ruído pode ser o condutor do risco observado para a saúde mental, pois a exposição prolongada a níveis excessivos de ruído é um importante fator de risco em estudos epidemiológicos. Além disso, até a exposição de curto prazo ao ruído demonstrou ter um impacto nas respostas ao estresse. Estudos também enfatizaram os efeitos do ruído no comprometimento do sistema nervoso central (SNC) por meio do aumento do estresse oxidativo, desequilíbrio nos níveis de neurotransmissores, deterioração das funções moleculares, cognição prejudicada e modificações genéticas [16] [15].

Primeiramente, podemos identificar efeitos que emergem por meio de altos níveis de pressão sonora (via direta), maior que 100 dB; o ruído alto danifica as células ciliadas, os receptores sensoriais do sistema auditivo e perturbam o sono, o que sabidamente pode causar estresse, ansiedade, depressão. Aproximadamente 16% das perdas auditivas incapacitantes de adultos em todo o mundo têm sido causadas pelos efeitos do ruído elevado por esta via [17]. Já o ruído mais baixo em decibéis que é chamado de via indireta, que corresponde a exposições de 50 a 70 dB (A) estimula a região límbica do cérebro a gerar uma resposta emocional, levando a ativação simpática e endócrina, causando estresse cognitivo e emocional. O estado metabólico alterado é responsável por muitos fatores de risco que, sabidamente, estão implicados em doenças neurodegenerativas e metabólicas, como alterações no metabolismo da glicose, desregulação lipídica, além de alterações hemodinâmicas. Essa resposta inclui um aumento na secreção de catecolaminas, hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) e cortisol, causando interrupção do ritmo circadiano, diminuição da produção de melatonina, diminuição da sensibilidade à insulina e dos níveis de leptina, aumento da grelina e do apetite, regulação positiva de proteínas inflamatórias, como fator de necrose tumoral alfa(TNF-α, tumor necrosis factor-alpha), interleucinas (IL) (ou seja, IL-1β ou IL-6) e proteína C reativa (PCR). A exposição ao ruído também promove um aumento na produção de espécies reativas de oxigênio, causando, assim, estresse oxidativo [17].

Já com relação à ansiedade e comportamentos semelhantes a depressão, existem estudos demonstrando que o ruído de trânsito causa hiperatividade no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, devido ao estresse inflamatório e oxidativo do cérebro, levando a um desempenho menor em tarefas cognitivas e motoras e ainda uma redução do tamanho na formação do hipocampo, córtex e amígdala e ainda uma densidade neuronal reduzida [18].

Sobre a epidemiologia, o estudo alemão de saúde longitudinal de Gutenberg, indicou a associação de ruído ​​ de diversas fontes à incidência de depressão, ansiedade e distúrbios do sono. Como resultado, observou-se que 80% dos voluntários relataram pelo menos algum grau de incomodo com o ruído e 28% ​​ avaliaram seu aborrecimento como forte ou extremo. Dentro desse mesmo estudo, participantes extremamente irritados preencheram critérios de depressão, ansiedade generalizada e distúrbios do sono, em comparação com aqueles sem incômodo de ruído. O incômodo do início do estudo permaneceu preditivo de sofrimento no acompanhamento e distúrbios do sono, mesmo quando o incômodo no acompanhamento foi incluído no modelo de regressão. Assim, persistiram os efeitos a longo prazo do aborrecimento nas principais variáveis de saúde mental. Isto se aplicando as seguintes fontes de ruído: aeronaves, vizinhança e incômodo com ruído industrial [6].

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4.Considerações finais

Conclui-se, portanto, que a crescente percepção do papel do ruído como um agente poluente ambiental e seus impactos negativos na saúde estão se consolidando. Em adição aos danos evidentes no sistema auditivo (perda auditiva), causado pela exposição a níveis elevados de ruído, a exposição prolongada a ruídos de baixa intensidade está relacionada ao estresse mental, o qual pode favorecer o desenvolvimento de complicações cardiovasculares.

Além disso, a exposição ao ruído demonstrou em diversos estudos promover efeitos danosos àsaúde psiquiátrica, os quais estariam ligados à inflamação neurológica, estresse oxidativo cerebral e à desregulação do ritmo circadiano. Ademais, a vulnerabilidade da saúde mental dos indivíduos expostos a essas fontes pode favorecer quadros de ansiedade, depressão, demência, comprometimento cognitivo, aumento do consumo de álcool, tabagismo, e ainda comportamento sedentário (que também leva a consequências danosas ao sistema cardiovascular). Ainda devido ao estresse prolongado, a incidência de hipertensão arterial e acidente vascular encefálico pode ser facilitada.

Por fim, o ruído é um desafio de saúde pública vinculada ao desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis, principalmente porque ele não é reconhecido empiricamente como fator de adoecimento. Desse modo há, relativamente, uma pequena quantidade de estudos sobre seus malefícios em humanos e ainda uma carência absurda de planos de ação por parte dos órgãos regulamentadores da saúde e de reconhecimento por parte da maioria dos profissionais de saúde.

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5. Declaração de direitos

O(s)/A(s) autor(s)/autora(s) declara(m) ser detentores dos direitos autorais da presente obra, que o artigo não foi publicado anteriormente e que não está sendo considerado por outra(o) Revista/Journal. Declara(m) que as imagens e textos publicados são de responsabilidade do(s) autor(s), e não possuem direitos autorais reservados à terceiros. Textos e/ou imagens de terceiros são devidamente citados ou devidamente autorizados com concessão de direitos para publicação quando necessário. Declara(m) respeitar os direitos de terceiros e de Instituições públicas e privadas. Declara(m) não cometer plágio ou auto plágio e não ter considerado/gerado conteúdos falsos e que a obra é original e de responsabilidade dos autores.

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1

Centro Universitário de Mineiros, Trindade, Brasil.

2

Centro Universitário de Mineiros Trindade, Brasil.

3

Centro Universitário de Mineiros Trindade, Brasil.

4

Instituto de Ciências da Saúde e Biológicas, Universidade Estadual de Goiás (UEG), Porangatu,GO, Brasil.


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